O presidente do Botafogo, time que completa 100 anos em 2004, diz que os clubes ficaram dependentes financeiramente da tevê e que o esporte é elitizado no Brasil
Em 1977, o carioca Bebeto de Freitas tinha 27 anos e já acumulava as funções de jogador, técnico e general manager do time de vôlei Santa Bárbara Spikers, na Califórnia. A história de sucesso seguiu com conquistas como a medalha de prata da seleção masculina na Olimpíada de Los Angeles, em 1984, e um campeonato mundial com a Itália, em 1998, até que a paixão pelo Botafogo foi mais forte e ele trocou de esporte. Após uma passagem de dois anos como diretor do Atlético Mineiro, o pai de Bárbara, 23, Ricardo, 22, e Roberta, 19, assumiu em 2003 a presidência do clube de coração.
O primeiro desafio, levar o time de volta à primeira divisão, já foi vencido. Agora, o dirigente quer fazer ainda mais pelo clube em que começou a jogar basquete aos 11 anos e, após passar para o vôlei, chegou à seleção e disputou duas olimpíadas (em 1972 e 1976) antes de ir para os EUA. Identificação com o time é o que não falta. Casado com a economista Solange, Bebeto é sobrinho de João Saldanha e primo de Heleno de Freitas, artilheiro do time na década de 40. Só não gosta de ser chamado de cartola. “Não me sinto um cartola, até porque isso é um termo pejorativo. Só sei que vivi no esporte e do esporte minha vida inteira”, afirma.
É verdade que você não comemorou a subida do Botafogo para a primeira divisão?
É diferente. Quero que jamais esqueçam porque fomos rebaixados, mas não quero me lembrar nunca mais desse campeonato. A responsabilidade era enorme. Em 2004 o Botafogo faz 100 anos. Imagine se jogássemos na segunda divisão no ano do centenário.
Foi difícil administrar o nervosismo ao longo do campeonato?
No jogo decisivo (Botafogo 3 X 1 Marília, em 22/11/03), ganhávamos de 3 a 0 e o Marília fez um gol quando faltavam uns 18 minutos. Não vi mais a partida. Fui para o vestiário e me tranquei lá. Tomei remédio para dormir durante o ano, porque sempre acordava no meio da noite. Era muita responsabilidade. O que estava envolvido era a paixão de todos que gostam do Botafogo.
Qual o prejuízo de ser rebaixado?
Perde-se tudo. O Botafogo recebeu R$ 350 mil durante a disputa da segunda divisão, juntando todas as receitas do campeonato, que só aconteceu porque a CBF (Confederação Brasileira de Futebol) arcou com as passagens aéreas. Esse valor seria pelo menos o dobro na primeira divisão. Ainda temos de pagar os salários de dezembro, o 13º e o prêmio pela classificação aos jogadores, a quem somos muito gratos.
Viu vantagem em jogar um campeonato mais fácil na segunda divisão?
É muito mais difícil ficar entre os dois primeiros da segunda divisão do que se manter na primeira. A maior besteira que os clubes fizeram na reunião do Clube dos Treze (entidade representante dos principais clubes do país) foi reduzir para dois o número de rebaixados.
Sentiu-se traído?
Não porque já estava na segunda divisão, mas o Bahia, que puxou a idéia, pagou agora. Ele foi rebaixado e agora vai ver o quanto é difícil subir com duas vagas.
O futebol brasileiro está em crise?
O problema no Brasil é do esporte em geral. Com todos os problemas, o futebol é o único esporte no país que tem oportunidade de trabalho do Rio Grande do Sul ao Amapá, com campeonatos profissionais em todos os Estados. Os problemas dos outros esportes são muito mais sérios.
Por quê?
A indústria do esporte move no mundo US$ 400 bilhões. Em países desenvolvidos, o esporte representa até 4% do PIB.
No Brasil estamos engatinhando com pouco mais de 1%. Imagina o que seria do mercado de trabalho se tivéssemos
o esporte profissional no país da forma como ele tem de ser, com todos os esportes espalhados pelos Estados, com
atletas profissionais e clubes fortes. Mas nós não temos. O esporte no Brasil é elitizado.